Seguimos o sentido Videmonte
Barragem do Caldeirão. Verificamos o perfil do trajeto aqui.
Concluímos ser a melhor opção: quase
sempre em sentido descendente, exceto os últimos dois quilómetros, com um final
muito acentuado – mais de oitocentos
degraus a subir e o risco de vertigens para quem sofre delas. Em caso
de desistência, sairíamos em Vila Soeiro, tendo realizado uma grande parte do trajeto.
Os bilhetes foram comprados antecipadamente
no sítio dos passadiços na internet: aqui - 2,5€ cada
um.
Fizemos a visita prévia a
Videmonte, tomamos o pequeno- almoço no Bar da aldeia, tendo como companhia
homens da terra que bebiam o café da
manhã e aguardente para “aquecer”. Ruas
asseadas, fachadas de granito com cartazes curiosos dos moradores a promover o turismo na aldeia. Terra interessante, bonita, com história e prática
de atividades ancestrais ligadas à
agricultura, onde se cozia o pão em fornos comunitários. Com os mesmos problemas
de muitas outras em Portugal: despovoada
e envelhecida – a merecer uma visita mais demorada e atenta noutra ocasião. O Sr. António, chefe da confraria de igreja
matriz de São Sebastião, convidou-nos a
entrar. Abriu a porta lateral
propositadamente para nós. Mostrou o altar que esteve escondido centenas de
anos - o conjunto artístico mais valioso da igreja –
um fresco dedicado a São Francisco de Assis, recentemente descoberto durante as
obras de restauro.
O início do trilho fica a
aproximadamente dois quilómetros do centro da aldeia, na estrada nacional. Estacionamos o carro, fizemos
o Check- in. Uma das senhoras que se encontrava ali, perguntou:
- Como vão regressar ao carro?
- de táxi, claro!
– já tem taxista?
– Não.
Entregou-nos o cartão: “Carina: 965 890 301”
– ligue-me quando acabar.
Quanto ao trajeto, é realmente muito bonito - concordo com as várias opiniões que li, em
geral abonatórias da beleza do percurso.
A opção que fizemos revelou-se, como previmos, mais vantajosa; no sentido inverso, faríamos quase
todo o trajeto a subir. Quanto à parte física, deve-se subir com calma, cada um
no seu ritmo, parando as vezes necessárias, bebendo água e ingerindo alimentos para
suportar o desgaste. Em certos momentos, lembrou-me os caminhos de Santiago,
atendendo à quantidade de pessoas na encosta da montanha alinhadas umas atrás
das outras, de mochilas às costas.
Para a descrição pormenorizada do
trilho, consultar o sítio na internet: Passadiços do Mondego.
Os caminhantes devem ter em atenção a condição física, o facto de
no verão as temperaturas serem inclementes e de largos troços não terem sombra.
Outros, porém, são arborizados, passam
encostados ao rio, com locais de descanso,
mesas de picnic e casas de banho – embora poucos. Um dos pontos de apoio,
sensivelmente a meio, antes de uma das pontes suspensas, vende mel, produtos
artesanais e água. Aqui, cruzamo-nos com um beagle simpático a arfar de um lado para outro, feliz no seu meio
natural, cheirando as plantas, correndo e sendo acariciado pelos humanos.
Ao chegar à entrada de Vila Soeiro,
a última antes da subida para o barragem do Caldeirão, pedi a opinião à funcionária,
devido às vertigens, se deveria ou não continuar
até à barragem. Segui o caminho, reticente. Ainda bem que o fiz, caso contrário
não passaria a bela ponte medieval da Mizarela, nem veria os quintais com árvores de fruta
floridas - a prodigalidade do campo! –, nem a magnifica vista da cascata do Caldeirão.
Respirei de alívio quando pousei
os pés no alcatrão firme da estrada e registei o fim da caminhada na cabine de
apoio. Sim, a última parte não é aconselhável a quem tem vertigens: não olhei
para baixo, fiquei nervoso. É irracional,
gatinhei os últimos metros, já nos degraus de granito. Não fui ao miradouro,
com medo.
Liguei à taxista Carina. Foi o
marido quem nos apanhou; pagámos 15 € pelo regresso ao carro. Os passadiços
vieram dinamizar a economia — uma bênção para taxistas, restauração e
alojamento. “A Guarda estava parada no tempo. Está a ser muito bom para nós. Há
pessoas a fazer os passadiços em qualquer altura do ano, mesmo no verão, com o
calor. É quando chegam os emigrantes, as pessoas têm mais tempo, e há quem não
pense muito nisso — fazem-nos de qualquer maneira.”
Os Passadiços do Mondego
colocaram no mapa o concelho da Guarda, habitualmente pouco falado — e, quando
o é, geralmente por maus motivos: incêndios, portagens nas SCUT, falta de
médicos, abandono demográfico, etc. Mais de uma pessoa me falou com orgulho da
beleza do trilho, contando tudo o que sabia sobre os 12 km do trajeto e algumas
peripécias que ocorreram com caminhantes inexperientes e descuidados desde a
sua inauguração, em 2022.
O bilhete inclui a visita à catedral
da Guarda. Levam-se 20 minutos de carro
até ao centro da cidade. Lembrei-me dos três “F”: Farta, Forte e Fria. Epítetos
que lhe ficam a matar.
Rústica, austera, varrida pelo ar
frio da montanha; paços episcopais circunspetos e silenciosos, de janelas e portas rígidas
e maciças, dando a impressão de que por trás delas ainda se encontram clérigos inquisidores
de batina negra, vigiando as pessoas que passam na praça. Um lugar onde se sente a antiguidade, a força e
influência da religião católica, em que
a fé e a subserviência a Deus e ao patrão eram as leis da vida para quem aqui
vivia. A catedral merece uma visita: monumento
grandioso numa terra pequena, atesta a importância religiosa da cidade na
história e formação de Portugal, desempenhando um papel preponderante na evolução
cultural da região.
É lamentável observar, na Praça
da Sé, edifícios devolutos, com paredes a ruir e sem teto – uma imagem deste
país chamado Portugal, onde se prefere gastar dinheiro em estádios de futebol,
autoestradas e empreendimentos faraónicos, em vez de se recuperar a memória
histórica. Uma contradição flagrante num país onde constantemente se assiste a
todo um ecossistema político-social-empresarial-cultural a apelar ao
patriotismo nos mais variados eventos — sendo o futebol o mais paradigmático —
mas que não investe na recuperação do seu património arquitetónico, repleto de
chagas como estas um pouco por todo o lado.
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Videmonte |
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Igreja de São Sebastião, Videmonte |
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Ruas asseadas, fachadas de granito com cartazes curiosos dos moradores a promover o turismo na aldeia. |
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Ruas asseadas, fachadas de granito com cartazes curiosos dos moradores a promover o turismo na aldeia. |
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...o altar que esteve escondido centenas de anos - o conjunto artístico mais valioso da igreja – um fresco dedicado a São Francisco de Assis, recentemente descoberto durante as obras de restauro. |
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Ponte de Mizarela |
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Cascata do Caldeirão |
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Altar da Sé da Guarda |
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É lamentável observar, na Praça da Sé, edifícios devolutos, com paredes a ruir e sem teto – uma imagem deste país chamado Portugal, onde se prefere gastar dinheiro em estádios de futebol, autoestradas e empreendimentos faraónicos, em vez de se recuperar a memória histórica. |
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Sé da Guarda, estátua de D. Sancho I |